Em contraste com esse servilhismo ao passado e às tradições dele derivadas, os artistas art nouveau proclamavam a intenção de basear sua arte na realidade presente ou mesmo em visões futuristas de uma realidade vindoura.(BARILLI, 1991, p. 11)
O Art Nouveau foi simultâneo em toda a Europa Ocidental, influenciando diversas vertentes artísticas até a eclosão da Primeira Guerra Mundial. Apesar da unicidade cultural promovida no ocidente europeu, este movimento apresentou diversas particularidades em cada país, cujas diferenciações se fazem presentes inclusive nas denominações do movimento, como por exemplo, Jugendstil, na Alemanha, Liberty, na Itália, Wiener Werkstaette, na Áustria, Arte Nova, em Portugal e, no caso particular da França recebe inúmeras denominações, como Art Nouveau, estilo Métro, estilo Nouille ou ainda estilo Chicorrée.
Com o nome de Arte Nova designamos hoje um fenômeno que no seu tempo recebeu várias denominações e que não teve exatamente os mesmos aspectos nos diferentes países, separados por fortes traços nacionais e por situações sócio-econômicas diversas. (PIJOAN, 1978, p. 61)
A análise do contexto em que tal movimento se insere possibilita a delimitação de conceitos, influências, bem como dos objetivos do Art Nouveau. Segundo Colquhoun (2005), este teve seu desenvolvimento fortemente ligado à aparição de uma nova burguesia industrial, como também aos movimentos de independência política que eclodiram na Europa no final do século. A Revolução Industrial alterou radicalmente as condições tanto individuais como coletivas da produção artística. Tal conjuntura que se afirmava mediante a subordinação às máquinas e ao progresso, também trouxe consigo as contestações sociais e artísticas, imbuídas também de ideais nacionalistas, frente a essa nova realidade. O Art Nouveau, portanto, configura-se como um movimento que invoca as aspirações inovadoras desta época, buscando melhor contextualizar as artes, imbuindo-as, no entanto, de ideais libertários e de um certo grau de contestação. Em vários países o Art Nouveau converteu-se em um emblema de liberdade cultural. É uma reação estética às produções artísticas oriundas da máquina, como também ao academicismo, que há tempos incutia as artes de esterilidade e artificialidade, buscando, dessa forma, criar um estilo totalmente novo e liberto.
[...] o Art Nouveau é um fenômeno novo, impotente, complexo, que deveria satisfazer o que se acredita ser a “necessidade da arte” da comunidade inteira.[...] Instaura entre eles (países industriais europeus e americanos) um regime cultural e de costumes quase uniforme, apesar das ligeiras variações locais, e de caráter explicitamente moderno e cosmopolita. É um fenômeno tipicamente urbano.[...] Interessa a todas as categorias dos costumes: o urbanismo de bairros inteiros, a construção civil em todas as suas tipologias, o equipamento, urbano e doméstico, a arte figurativa e decorativa, as alfaias, o vestuário, o ornamento pessoal e o espetáculo. (ARGAN, 1993, p.189)
Além das questões relativas a contextualização da arte, o Art Nouveau também resgatava as discussões do Arts and Crafts acerca do papel do artista, bem como da qualidade artística das obras frente a essas imposições da máquina. Sob tal conjuntura, segundo França (1987), o estilo nouveau busca, sob influência das idéias de Morris, dos impressionistas e dos simbolistas, conciliar a arte e a técnica. De acordo com Sembach (2007), o Art Nouveau pode ser interpretado como uma tentativa de conciliar as aspirações artísticas herdadas do passado e os fenômenos da era técnica, um contato, que até então, historicamente, tinha se processado de forma efêmera e defensiva. Outra influência notável no Art Nouveau é arte oriental que sob a forma do Japonismo, instituiu padrões estéticos totalmente diferentes da tradição ocidental, contribuindo de forma veemente para criação de um estilo original e inovador. Segundo Colquhoun (2005), elementos que remetem aos estilos medieval e rococó também se fazem presentes neste novo movimento, evidenciando o resgate histórico como fonte de inspiração para criação de algo totalmente novo.
Quando o Art Nouveau incorporava elementos do passado, utilizava-se de estilos tão distanciados - no tempo (medievais) ou no espaço (chineses, japoneses) – da tradição renascentista clássica que o resultado ainda sim parecia original e moderno. (BARILLI, 1991, p.11)
Inserido em contexto que se afirmava pelo modernismo e a industrialização, é inegável que o Art Nouveau invocasse tendências individualistas. O sucesso do artista dependia inteiramente de sua força pessoal e de sua sensibilidade.
Como típico movimento Modernista, o Art Nouveau apresenta, portanto, certas tendências e objetivos.
1) deliberação de fazer uma arte em conformidade com sua época e a renúncia à invocação de modelos clássicos, tanto na temática quanto no estilo; 2) o desejo de diminuir a distância entre as artes “maiores” (arquitetura, pintura e escultura) e as “aplicações” aos diversos campos da produção econômica (construção civil corrente, decoração, vestuário, etc.); 3) busca de uma funcionalidade decorativa; 4) a aspiração a um estilo ou linguagem internacional ou européia; 5) o esforço em interpretar a espiritualidade que se dizia [...] inspirar e redimir o industrialismo. Por isso, mesclam [...] motivos materialistas e espiritualistas, técnico-científicos e alegóricos-poéticos, humanitários e sociais. (ARGAN, 1993, p. 185)
De acordo com Eco (2004) o Art Nouveau surge, portanto, como um novo padrão de beleza que representa e consolida os padrões da classe burguesa emergente, instituindo um conjunto de valores morais, de regras de bem-vestir e comportamento em público, como também cânones estéticos e arquitetônicos próprios. Ainda segundo este autor, tal modelo de beleza burguês é pautado na praticidade, solidez, durabilidade e no pragmatismo, estabelecendo uma nítida diferença entre a estrutura mental burguesa e a aristocrática. O Art Nouveau, portanto, configura-se como uma tentativa de comunicar uma necessidade econômica de forma estética.
Na Inglaterra avança a convicção de que a nova beleza do século XIX deve ser expressar através das forças da ciência, da indústria e do comércio, destinados a suplantar valores morais e religiosos que no passado exerceram um predomínio doravante exaurido. (ECO, 2003, p. 366)
Segundo Gombrich (1993), assim como seus antecessores Ruskin e Morris, os artistas do Art Nouveau ansiavam por uma arte baseada em uma nova sensibilidade para o desenho e para as novas possibilidades em cada material. Este último aspecto, em especial, é um dos grandes expoentes desse movimento, se tratando, principalmente, do ferro. De acordo com Pevsner (1962), a partir de Viollet-le-Duc, tal material adquire um caráter dualista, servindo tanto a fins decorativos como estruturais. Associado ao vidro, ofereceu novas possibilidades infindáveis, sendo apropriados abundantemente pela arquitetura e pela decoração, criando novos padrões construtivos e estéticos contextualizados com a sociedade industrializada e seu espírito inovador-progressista. Outro material largamente explorado pelos artistas nouveau foi a madeira, com destaque no mobiliário, no qual era evidente a contradição entre a natureza do material e o desejo de expressão do estilo, devido à pouca maleabilidade da madeira. Outros materiais importantes na produção artística do Art Nouveau foram a cerâmica e o vidro.
Diante de tal contexto geral e de alguns acontecimentos históricos específicos é possível delinear algumas características mais genéricas do Art Nouveau.
Independentemente das variações de tempo e espaço, o Art Nouveau tem certas características constantes: 1) a temática naturalista (flores e animais); 2) a utilização de motivos icônicos e estilísticos, e até tipológicos, derivados da arte japonesa; 3) a morfologia: arabescos lineares e cromáticos; preferência pelos ritmos baseados na curva e suas variantes (espiral, voluta, etc),e, na cor, pelos tons frios, pálidos, transparentes, assonantes, formados por zonas planas ou eivadas, irisadas, esfumadas; 4) a recusa da proporção e do equilíbrio simétrico, e a busca de ritmos “musicais”, com acentuados desenvolvimentos na altura ou largura e andamentos geralmente ondulados e sinuosos [...] (ARGAN, 1993, p. 199)
Segundo Pevsner (1962), o naturalismo foi adotado como forma de representação de formas que não fossem criadas pelo homem, não intelectuais e sim mais sensuais.
Outros traços relevantes do movimento são: o funcionalismo, a simplicidade das formas, o erotismo e o dinamismo. Este último remete ao próprio fascínio pelo movimento inerente à sociedade industrializada.
Perante a aceleração crescente do tráfego, da eficiência das máquinas e das possibilidades da ação humana ninguém pôde ficar indiferente. A reprodução fiel deste elemento dinâmico era [...] a ambição essencial da Arte Nova.(COLQUHOUN, 2005, p. 8)
De acordo com Pijoan (1978), o culto por tais formas movimentadas, fluidas e efêmeras é evidente na larga representação de figuras de seres delicados e frágeis, como as borboletas, libélulas e as flores.
Outra questão importante suscitada pelo Art Nouveau é a discussão ornamento versus funcionalidade. Este movimento busca fundir a ornamentação ao objeto, de forma a torná-los inseparáveis e indistinguíveis.
O Art Nouveau é um estilo ornamental que consiste no acréscimo de um elemento hedonista a um objeto útil [...] o elemento ornamental perde progressivamente o caráter de um acréscimo sobreposto à conformação funcional ou instrumental do objeto (tectônica), inclinando-se a adequar o próprio objeto como ornamento e assim se transformando de superestrutura em estrutura. (ARGAN, 1993, p. 202)
Já o sintetismo e o funcionalismo são traços inerentes da própria personalidade pragmática burguesa. O erotismo, em contrapartida, deriva da arte oriental, assim como demais características presentes no movimento, inclusive muitas delas já mencionadas.
Segundo Colquhoun (2005), apesar de ter se difundido em vários campos da arte, o Art Nouveau se manifestou de forma mais veemente nos aspectos decorativos das artes aplicadas, servindo dessa forma à caracterização estilística de objetos, móveis e edifícios.
De acordo com Argan (1993), a difusão desse padrão estético se deu por meio de revistas e arte e de moda, do comércio e dos recursos publicitários, dos espetáculos e das exposições universais, com ênfase à Exposição de Paris de 1900. Segundo Barilli (1991), as artes gráficas, em especial, suscitavam a preferência dos artistas por ser um meio de contato mais fácil e imediato com o público. Buscavam por meio das litogravuras, xilogravuras e dos cartazes, eliminar a distinção entre as belas artes e as artes aplicadas.
Segundo Nute (2000), além de se configurar como um importante meio de difusão da estética nouveau, as exposições mundiais também foram importantes na divulgação das artes orientais, cuja influência foi de suma importância para delimitação de inúmeros traços e características do Art Nouveau.
De curta duração, o Art Nouveau foi superado pelos avanços econômicos e culturais. A aspiração pela popularização da arte de qualidade tornou-se não mais do que uma idealização.
Como no fundo os métodos de produção artesanais não tinham hipótese nenhuma de se afirmar contra os produtos industrializados [...] foi apenas o setor bastante limitado dos bens de luxo sofisticados e caros que conseguiu se afirmar contra a produção industrial. (COLQUHOUN, 2005, p. 16)
2 comentários:
Adorei o texto!! Como posso citá-la?
Adorei o texto!! Como posso citá-la?
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